Em 1996, dois anos antes de sua morte, os amigos e admiradores de Manuel Bandeira organizaram, para comemorar o seu octogésimo aniversário, a edição definitiva de suas poesias completas, sob o título de Estrela da tarde inteira, que nos recorda imediatamente os de duas de suas coletâneas anteriores, a Estrela da manhã e a Estrela da tarde.
Englobando a totalidade de sua obra poética traduzidos, além dos numerosos versos de circunstância reunidos no Mafuá do malungo, a Estrela da vida inteira representa a soma final de uma longa trajetória de mais de cinquenta anos de poesia e oitenta de vida deste lírico extremamente querido da alma brasileira.
Partindo de uma admirável estréia pós-simbolista, com A cinza das horas em 1917, a sua poesia vai lentamente incorporando as características formais da poesia vai lentamente incorporando as características formais da poesia modernista brasileira, vagamente perceptíveis em Carnaval, visíveis com total clareza em Ritmo dissoluto e Libertinagem, sem nunca renegar no entanto sua sólida formação clássica haurida nas fontes mais profundas do lirismo de língua portuguesa, como se percebe pela ausência de modismos ou maneirismos estilísticos mantida através de toda a sua obra, independente do momento ou da provável escola a que pertence cada um de seus poemas.
Obra, portanto, de um poeta que era antes de tudo um indivíduo, uma subjetividade fortemente marcada, como são aliás todos os grandes poetas voltados para a essência primordial das coisas e não para a contingência externa e efêmera das modas e das correntes literárias, ou mesmo de qualquer datada modernidade, a poesia de Manuel Bandeira é, por isso mesmo, a mais intemporal e duradoura de entre os poetas historicamente incluídos no modernismo brasileiro, com exceção de Cecília Meireles.
De A cinza das horas a Estrela da tarde, quantos grandes momentos do nosso lirismo, sabidos total ou parcialmente de cor por tantos brasileiros? “Profundamente”, “Mar bravo”, “Última canção do beco”, “Poética”, “Momento num café”, “Pasárgada”, “Marinheiro triste”, “Flores murchas”, “Oração a Nossa Senhora da Boa Morte”, “Velha chácara”, “As três Marias”, “Mascarada”, “Os sapos”, “Noturno do morro do encanto”, entre inúmeros outros, poemas que da sua simplicidade íntima perfeitamente despojada despertam inesperada e perenes repercussões estéticas e emocionais.
Com esta edição, a décima nona desde a organizada em vida do autor e a primeira pela Nova Fronteira, o leitor brasileiro se reencontra, através de um texto e uma ordenação cuidadosamente revistos, com um de sues poetas mais vivos, sentidos e presentes.
Estrela da Manhã Eu quero a estrela da manhã Onde está a estrela da manhã? Meus amigos meus inimigos Procurem a estrela da manhã Ela desapareceu ia nua Desapareceu com quem? Procurem por toda parte Digam que sou um homem sem orgulho Um homem que aceita tudo Que me importa? Eu quero a estrela da manhã Três dias e três noites Fui assassino e suicida Ladrão, pulha, falsário Virgem mal-sexuada Atribuladora dos aflitos Girafa de duas cabeças Pecai por todos pecai com todos Pecai com os malandros Pecai com os sargentos Pecai com os fuzileiros navais Pecai de todas as maneiras Com os gregos e com os troianos Com o padre e com o sacristão Com o leproso de Pouso Alto Depois comigo Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra e direi coisas de uma ternura simples Que tu desfalecerás Procurem por toda parte Pura ou degradada até a última baixeza Eu quero a estrela da manhã.
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Manuel Bandeira
Manuel Bandeira (1886-1968) foi um poeta brasileiro. “Vou-me Embora pra Pasárgada” é um dos seus mais famosos poemas. Foi também professor de Literatura, crítico literário e crítico de arte. Os temas mais comuns de sua obra são: a paixão pela vida, a morte, o amor e o erotismo, a solidão, o cotidiano e a infância.
Manuel Bandeira (1881-1968) nasceu na cidade do Recife, Pernambuco, no dia 19 de abril de 1886. Filho do engenheiro Manuel Carneiro de Souza Bandeira e de Francelina Ribeiro, abastada família de proprietários rurais, advogados e políticos. Seu avô materno Antônio José da Costa Ribeiro, foi citado no poema “Evocação do Recife”. A casa onde morava, localizada na Rua da União, no centro do Recife é citada como “a casa do meu avô”.
Manuel Bandeira viajou, junto com sua família, para o Rio de Janeiro, em 1890. Ingressou no Colégio Pedro II, onde foi amigo de Souza da Silveira, um estudioso da língua portuguesa. Em 1892 voltou para o Recife. É nessa época que escreve seus primeiros versos, não pensava ainda em ser poeta. Em 1903 vai para São Paulo e ingressa na Escola Politécnica, no curso de Arquitetura, mas no fim do ano letivo teve que abandonar os estudos, por ter contraído tuberculose. Voltou para o Rio de Janeiro onde tentou tratamento em estâncias climáticas em Teresópolis e Petrópolis.
Em 1913, Manuel Bandeira vai para o sanatório de Cladavel, na Suíça, onde convive com o poeta francês Paul Éluard, que coloca Manuel Bandeira a par das inovações artísticas que vinham ocorrendo na Europa. Discutem sobre a possibilidade do verso livre na poesia. Esse aspecto técnico veio fazer parte da poesia de Bandeira, que foi considerado o mestre do verso livre no Brasil.
Com o início da Primeira Guerra, em 1914, Bandeira volta a morar no Rio de janeiro. Em 1916, morre sua mãe. Em 1917, publica seu primeiro livro “A Cinza das Horas”, de nítida influencia Parnasiana e Simbolista. Em 1918, morre sua irmã, que tinha sido sua enfermeira durante muito tempo. Em 1919, publica “Carnaval”, que representou sua entrada no movimento modernista. No ano seguinte morre seu pai.
Em 1921, conhece Mário de Andrade e através deste, colabora com a revista modernista Klaxon, com o poema “Bonheur Lyrique”. Morando no Rio de Janeiro, estava distante do grupo paulista que centralizava os ataques à cultura oficial e propunha mudanças. Para a Semana de Arte Moderna de 1922, enviou o poema “Os Sapos”, que lido por Ronald de Carvalho, tumultuou o Teatro Municipal. Nesse mesmo ano morre seu irmão.
Manuel Bandeira vai cada vez mais se engajando no ideário modernista. Em 1924, publica “Ritmo Dissoluto”. A partir de 1925, escreve crônicas para jornais onde faz críticas de cinema e música. Em 1930, publica “Libertinagem”, obra de plena maturidade modernista. No poema “Evocação do Recife” que integra a obra, tematiza a infância, faz uma descrição da cidade do Recife no fim do século XIX. Incorpora também vários temas ligados à cultura popular e ao folclore.
Em 1938, é nomeado professor de Literatura do Colégio Pedro II. Em 1940 foi eleito para Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de nº24. A partir de 1943 é nomeado professor de Literatura Hispano-Americana da Faculdade Nacional de Filosofia. Em 1957, viaja durante quatro meses pela Europa. Ao completar oitenta anos, em 1966, publica “Estrela da Vida Inteira”.
Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho faleceu no Rio de Janeiro, no dia 13 de outubro de 1968.