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A Rosa do Povo – Carlos Drummond de Andrade

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Em A Rosa do povo, publicada em 1945, contendo poemas escritos entre 1943 e 1945, o poeta atinge o clímax da prática participante – já esboçada em Sentimento do Mundo (1935-1940), quando o “tempo presente” se instaura como matéria do poema – ao mesmo tempo que atinge a consciência mais profunda da “crise da poesia”.

Isso não quer dizer que em outras fases de sua obra não se verifique essa tensão. Porém, é neste livro que o conflito adquire sua dimensão maus angustiada: da consciência dividida entre a fidelidade à poesia e a necessidade de torná-la instrumento de luta e de participação nos acontecimentos de seu tempo.

Na fase mais estritamente social (a de Rosa do Povo) notamos, por exemplo, que a inquietação pessoal, ao mesmo tempo que se aprofunda, se amplia pela consciência do “mundo caduco”, pois o sentimento individual de culpa encontra, na culpa da sociedade que a equilibra e talvez em parte explique. (“Assim nos criam burgueses”, diz o poema “O medo”.) O desejo de transformar o mundo, pois, é também uma esperança de promover a modificação do próprio ser, de encontrar um desculpa para si mesmo, E talvez esta perspectiva de redenção simultânea explique a eficácia da poesia social de Drummond, na medida em que (Otto maria Carpeaux já o disse faz tempo) ela é um movimento coeso qual vê o outro. O seu cantar se torna realmente geral porque é, ao mesmo tempo, profundamente particular.

Consideração do Poema.

Não rimarei a palavra sono
com a incorrespondente palavra outono.
Rimarei com a palavra carne
ou qualquer outra, que todas me convêm.
As palavras não nascem amarradas,
elas saltam, se beijam, se dissolvem,
no céu livre por vezes um desenho,
são puras, largas, autênticas, indevassáveis.

Uma pedra no meio do caminho
ou apenas um rastro, não importa.
Estes poetas são meus. De todo o orgulho,
de toda a precisão se incorporaram
ao fatal meu lado esquerdo. Furto a Vinicius
sua mais límpida elegia. Bebo em Murilo.
Que Neruda me dê sua gravata
chamejante. Me perco em Apollinaire. Adeus, Maiakovski.
São todos meus irmãos, não são jornais
nem deslizar de lancha entre camélias:
é toda a minha vida que joguei.

Estes poemas são meus. É minha terra
e é ainda mais do que ela. É qualquer homem
ao meio-dia em qualquer praça. É a lanterna
em qualquer estalagem, se ainda as há.
— Há mortos? há mercados? há doenças?
É tudo meu. Ser explosivo, sem fronteiras,
por que falsa mesquinhez me rasgaria?
Que se depositem os beijos na face branca, nas principiantes
rugas.
O beijo ainda é um sinal, perdido embora,
da ausência de comércio,
boiando em tempos sujos.
 
Poeta do finito e da matéria,
cantor sem piedade, sim, sem frágeis lágrimas,
boca tão seca, mas ardor tão casto.
Dar tudo pela presença dos longínquos,
sentir que há ecos, poucos, mas cristal,
não rocha apenas, peixes circulando
sob o navio que leva esta mensagem,
e aves de bico longo conferindo
sua derrota, e dois ou três faróis,
últimos! esperança do mar negro.
Essa viagem é mortal, e começá-la.
Saber que há tudo. E mover-se em meio
a milhões e milhões de formas raras,
secretas, duras. Eis aí meu canto.

Ele é tão baixo que sequer o escuta
ouvido rente ao chão. Mas é tão alto
que as pedras o absorvem. Está na mesa
aberta em livros, cartas e remédios.
Na parede infiltrou-se. O bonde, a rua,
o uniforme de colégio se transformam,
são ondas de carinho te envolvendo.

Como fugir ao mínimo objeto
ou recusar-se ao grande? Os temas passam,
eu sei que passarão, mas tu resistes,
e cresces como fogo, como casa,
como orvalho entre dedos,
na grama, que repousam.

Já agora te sigo a toda parte,
e te desejo e te perco, estou completo,
me destino, me faço tão sublime,
tão natural e cheio de segredos,
tão firme, tão fiel… Tal uma lâmina,
o povo, meu poema, te atravessa.

Leia algumas poesias do livro em PDF clicando aqui.

Carlos Drummond de AndradeResultado de imagem para Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade (1902–1987) foi um poeta brasileiro. “No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho”. Este é um trecho de uma das poesias de Drummond, que marcou o 2º Tempo do Modernismo no Brasil. Foi um dos maiores poetas brasileiros do século XX.

Poeta da Segunda Geração Modernista, a maior figura da “Geração de 30”, embora tenha escrito ótimos contos e crônicas, Drummond se destacou como poeta, quando produziu uma poesia de questionamento em torno da existência humana, do sentimento de estar no mundo, da inquietação social, religiosa, filosófica, amorosa etc. Seu estilo poético é permeado por traços de ironia, observações do cotidiano, de pessimismo diante da vida e de humor. Drummond fazia verdadeiros “retratos existenciais” e os transformava em poemas com incrível maestria. Carlos Drummond de Andrade foi também tradutor de autores como Balzac, Federico Garcia Lorca e Molière.

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