A obra trata do período de 1889 a 1930 no Rio Grande do Sul, o qual foi marcado pela autonomia da esfera estadual em relação ao centro administrativo do país em assuntos de peculiar interesse; ao mesmo tempo, o espaço local foi marcado pela centralização do poder cooptando os localismos. Nesse contexto, a colonização oficial esteve pautada pelos princípios do positivismo-castilhismo-borgismo, sob o sustentáculo do PRR – Partido Republicano Rio-Grandense. Em cenário em que se demandava a observância da doutrina vigente, destacou-se a ação de Frederico Westphalen, norteada pelos postulados político-econômicos e sociais do partido-Estado.
A temática desta publicação diz respeito à ação de Frederico Westphalen, enquanto chefe da Comissão de Terras e Colonização de Palmeira das Missões, autoridade local cuja atividade pautou-se na lógica da superioridade do Estado positivista-castilhista-borgista sobre as demais esferas do poder. Abordam-se aqui, influência, direção e tutela do Estado, manipulando política e ideologicamente a economia, a sociedade e a colonização no Rio Grande do Sul no período de 1889 a 1930.
Lipietz, citado por Reckziegel, tratando do espaço, registra que deve ser visto “como um campo por excelência das forças políticas”. A partir desse entendimento, estudo situa-se no universo histórico em que se dá a atividade de Frederico Westphalen, desenhando-se um desafio no sentido de contribuir para resgatar a história local, tendo por base esta nova abordagem: a formação inicial do município, pautada na ação de Frederico Westphalen como chefe da Comissão de Terras e Colonização, no período de 1917 a 1930, a partir de um projeto governamental, tutelando e orientando a ocupação do espaço local.
Na perspectiva de reconstruir caminhos percorridos pelo Partido Republicano Rio-Grandense e a ação de Frederico Westphalen no contexto de então, várias obras historiográficas foram consultadas com vistas a possibilitar uma fundamentação da proposta de pesquisa. Para tal, dividiram-se os estudos em três grupos, conforme seus objetivos. O primeiro grupo de historiadores ofereceu bases para a contextualização do período de 1889 a 1930, demonstrando a gradativa e eficiente ação do Estado positivista-castilhista-borgista na obtenção da autonomia em relação ao centro político administrativo do país em aspectos de relevância ao partido-Estado e na delegação ao PRR da tutela da sociedade rio-grandense. Rodríguez, entre esses estudiosos, escreve sobre o período: “Como filosofia política atuante, a concepção de Castilhos criou um modelo político que se perpetuou no Rio Grande por mais de três décadas e que exerceu forte influxo no contexto da República Velha […], revestindo de algumas características peculiares que i diferenciavam do comtismo, provenientes, sem dúvida, das condições históricas do Rio Grande”.
O segundo grupo de estudiosos contribuiu para a compreensão do espaço do então município de Palmeira das Missões e do processo colonizatório, através da análise das leis de terras e colonização vigentes na época. Ruckert assim se expressa: “A colonização imperial limitara-se às colônias velhas, na depressão central e encosta inferior e superior do planalto […]; abrir as terras do Norte do Estado à colonização torna-se, no Rio Grande do Sul, uma necessidade criada e uma linha de ação do governo republicano positivista.”
O terceiro grupo de pesquisadores propiciou o levantamento do histórico de Frederico Westphalen e sua ação na Comissão de Terras e Colonização de Palmeira das Missões. Destacam-se, entre eles, o estudo de Szatkoski e Luft; “Não fugindo à regra, Frederico Westphalen aderiu à ideologia dos grupos que predominavam na política nacional, estadual e local, tornando-se um Coronel Serrano, vão se processar por meio do cargo de chefe da Comissão de Terras de Palmeira.
Às fontes bibliográficas agregam-se fontes documentais. O Arquivo Histórico de Frederico Westphalen e a Exatoria de Terras Públicas de Frederico Westphalen do mesmo município passaram a constituir alvo de atenção, com visitas ao levantamento de registros oficiais, correspondências inerentes à concessão e ocupação dos lotes destinados à colonização. Destacam-se as correspondências recebidas e expedidas pela Comissão de Terras e Colonização de Palmeira e a Diretoria de Terras e Colonização do Rio Grande do Sul. O livro de registro da Colônia Guarita, constante na Exatoria de Terras Públicas de Frederico Westphalen, propiciou o levantamento dos primeiros lotes vendidos no local. A opção deu-se pelo estudo dos sessenta primeiros lotes vendidos na 6º Secção Fortaleza, por ser relativa ao atual município de Frederico Westphalen, observando critérios como período de compra, tamanho dos lotes, formas de pagamento, destinatários.
Tendo consciência de que, inserido em uma dinâmica social de mudanças rápidas e revelando-se “presentista”, individualidade e sem perspectivas pautáveis de futuro, o universo local, “imbricando-se com uma totalidade englobante” leva-se a efeito este estudo, mantendo o olhar sobre o comportamento humano em uma época específica e sob um recorte histórico definido. Atendendo a essa premissa, a temática situa-se no campo de análise da história regional.
Pesavento define o recorde do regional como espaço socializado de realização e controle do poder por um grupo e, ideologicamente, local sobre o qual a elite e o Estado impõem as suas noções; sugere o espaço do político-ideológico, por ser o espaço do exercício de poder e de construção da auto-imagem do grupo. Isso precisa ser compreendido numa perspectiva de articulações geográficas, socioculturais e político-econômicas, tendo sentido se integrado ao todo.
O espaço brasileiro é marcado por permanente conflito entre o local versus o nacional, a unidade versus a diversidade, o geral versus o particular. O período de 1889 a 1930 é um demonstrativo claro desse conflito: as elites políticas rio-grandenses, ao mesmo tempo em que litavam pelo federalismo autônomo, internamente impunham a centralização do poder, buscando homogeneizar o espaço em torno de sues princípios e amenizando os localismos.
Essa discussão remete ao conceito de “regionalismo”, que, segundo Castro, supõe identificação e coesão internas; competição externa para a defesa de padrões e preservação e obtenção de condições mais vantajosas”. Essa conotação política do “regionalismo” varia de acordo com o contexto social e a época estudados. Segundo Markusen, o “regionalismo” é sempre político, podendo manifestar-se no plano econômico e no plano social.
Nessa dimensão, vale registrar que a ideologia é bem sucedida enquanto aparentemente unifica os interesses. O período da República Velha rio-grandense condiciona a moral, a ordem e o progresso ao mito do Estado forte, sob a direção de governantes esclarecidos, vinculados ao PRR. Ocorre, assim, em torno do regional, a construção de identidades, como construções sociais formuladas a partir de diferenças operando como marca de distinção. É abstrata, mas referência moldada a partir de vivências humanas cotidianas.
O espaço frederiquense é marcado pela ação de Frederico Westphalen, pautada pelos princípios política-culturais do Estado-partido. A construção da identidade histórica do município passa pelo estudo dos trabalhos da Comissão de Terras e Colonização de Palmeira, cuja chefia coube a Frederico Westphalen, o que merece análise à luz do viés político.
Assim, concebendo o imbricamento do local versus o global, opta-se pelo estudo do recorte do regional com base no “regionalismo”, por facultar a interpretação teórica do período da “Republica Velha”, básico para a compreensão do recorte temporal que vai de 1917 até 1930. Silva concebe que “o ‘regionalismo’ como comportamento político é um dos elementos da explicação histórica […]. A própria dinâmica do federalismo brasileiro, marcado pela predominância de alguns Estados na política nacional, aponta para a necessidade de distinguir as instâncias em que as elites atuam como classe e aquelas em que atuam como grupos regionais de interesses. Como enfoque interpretativo, o ‘regionalismo’ aponta para a complexidade dos focos de articulação da ação coletiva.”
Com intuito de construir o tema proposto, o primeiro capítulo contextualiza o período de 1889 a 1930, partindo de uma breve exposição sobre o espaço nacional no que se refere ao aspecto político e suas amarras com o universo socioeconômico. O capítulo acentua as singularidades pertinentes ao estado do Rio Grande do Sul e, objetivando demonstrar o propósito castilhista-borgista de efetivar a supremacia do Estado sobre as demais esferas de poder, analista as práticas políticas do período que conferiram ao PRR a permanência no poder por trinta anos. A colonização oficial, nesse propósito, parece carregada de significados especialmente importantes.
Assim, à luz dessas reflexões, focaliza-se o município de Palmeira das Missões, elencando as ações do PRR no governo, no sentido de minimizar o poder dos coronéis, ai bem mais acentuado, de forma que também fossem cooptados pelo partido, bem como no sentido de deslindar particularidades locais que possibilitaram a pelítica de colonização oficial no município.
No segundo capítulo, registra-se um breve histórico da pessoa de Frederico Westphalen, objetivando uma melhor compreensão de sua ação no contexto de então e, no terceiro capítulo, apresenta-se uma breve retrospectiva sobre a colonização e a propriedade da terra, percorrendo os caminhos que determinam a legal e gradativa tutela da esfera estadual sobre terras devolutas e colonização. Nessa perspectiva, está situada a ação de Frederico Westphalen na Comissão de Terra e a análise de colonização de Palmeira das Missões no período de 1917 a 1930, discussão veiculada no estudo tendo como referência o trado aos agentes de ocupação do espaço local: índios, nacionais e colonos bem como considerando os postulados e ideologias presentes no processo. para dar conta dessa tarefa, opta-se pela estratégia dialética, por proporcionar à pesquisa a percepção de campos produtivos facultando o intercâmbio do “microuniverso” com o “macro universo”, do indivíduo com a estrutura, do contexto com o sujeito
Jussara Jacomelli
Jussara Jacomelli é uma historiadora que revela consistência e coragem. Ao abordar a temática das determinações políticas no norte do estado com base nas análises do papel desempenhado pelo castilhismo e o borgismo na definição dos campos do poder, dá importante contribuição ao entendimento da história local especialmente a de Frederico Westphalen.
Quando a conheci, como professor do curso de história da UPF no campus de Palmeira das Missões, logo percebi que não se tratava de uma simples professora de história buscando títulos. Mostrava-se inquieta com as questões teóricas que dão clareza ao entendimento da história regional, ao mesmo tempo em que buscava relacionar a teoria com o seu próprio ambiente social e profissional. Essa característica é imprescindível ao historiador que, antes de tudo é um observador destacado da realidade.
Este trabalho constitui importante referencial para a compreensão do processo de cooptação política levado a efeito pelo Partido Republicano Rio-Grandense – o PRR no período da República Velha gaúcha. Com base nesses pressupostos, elaborados originalmente pelo trabalho de outra grande historiadora do Rio Grande do Sul, Loiva Otero Félix, Jussara aprofunda o processo de colonização e ocupação de terras numa das regiões que formaram a base de sustentação dos republicanos em período conturbado da vida política rio-grandense.
É grande a satisfação de ter participado desta conquista pessoal da Jussara, e estou convicto de que sua carreira de historiadora está apenas começando.
Haroldo Logueircio Carvalho