Site Overlay

Crime de Estado – Alexandre Borella Monteiro

821.134.3(81) / M772c EXEMPLARES: 01

Crime de Estado é um romance policial e político que se passa no país fictício de Vera Cruz. Com diversos focos de conflito, alegorias e metáforas o historiador gaúcho Alexandre Borella Monteiro faz detalhadas pinturas simbólicas de fatos políticos latino-americanos das últimas décadas.

Tudo se inicia no dia da diplomação do presidente reeleito, Jorge da Silva, quando seu desafeto político, Sergio Nunes, é encontrado morto em aparente suicídio. Aproveitando a confusa situação política que se instaura, o principal nome da oposição, Senador Deoclécio Terra, acusa o atual presidente de assassinato, corrupção e, a partir disso, tenta assumir a presidência em possível golpe de estado.

Durante as investigações, o Capitão Andrade entra a fundo no caso, chegando a descobertas que contrariam totalmente as aparências, fazendo-o questionar sua profissão e a subordinação aos seus superiores.

Prólogo

As casas de Vera Cruz estavam todas com os aparelhos de televisão ligados. Normalmente, o dia da diplomação do novo Presidente da República não era tão aguardado pela população, mas este dia seria diferente de todos os demais. Neste dia, aconteceria algo histórico, tanto se ela fosse confirmada como se não fosse. O presidente Jorge da Silva, caso confirmasse a diplomação, seria o quarto eleito do mesmo partido. Se não fosse diplomado, seria o primeiro Presidente deposto antes mesmo de receber o diploma. E era nessa expectativa que estava toda a população do país.

Ciente de que cada aparelho de televisão estaria ligado e sintonizado em seu pronunciamento, marcado estrategicamente para uma hora antes do grande acontecimento do dia, o Corregedor Nacional de Justiça, Sr. Sérgio Nunes havia preparado cirurgicamente o local de sua aparição. Primeiramente, pela escolha do local. Seria no Grande Hotel situado na capital federal, Del Rey.

O hotel escolhido era por si só uma atração. Classificado como cinco estrelas, era uma atração turística da capital federal, sendo grandioso em tudo. O mais antigo da cidade. Sua construção se iniciou junto com a nova capital federal e hospedou o Presidente que fez a sua inauguração, o até hoje lembrado por todos os seus sucessores, Otaviano César. Ele foi e continua sendo um fantasma a assombrar todos os mandatários que assumem o cargo. Sempre são comparados a ele, de modo a inferiorizá-los. César, o Presidente que trouxe a modernidade. César, o Presidente que construiu Del Rey e fez a nova capital. César, o Presidente que ouvia o povo. E por ai vai. No hotel, havia, é claro, inúmeros retratos de Otaviano, em todos os seus dez andares. Até porque ele foi um de seus garotos propaganda até sua morte trágica, em um acidente de carro promovido pelos generais que assumiram a República de Vera Cruz, após a Revolução de 1964. Isso contribuiu para a construção do mito em torno do ex-Presidente.

Os quartos do hotel conservavam o requinte com um tom de antiguidade. Todos os móveis são os mais finos. As pessoas hospedadas nele se sentem em outro tempo, no qual o clássico se funde com o moderno. As fechaduras das portas, o rádio de madeira nos quartos, a forma das camas, os quadros nas paredes, tudo remete ao passado. Mas a Internet sem fio ultrarrápida, a televisão por assinatura, a academia de ginástica no andar superior, a lan-house, mostra-nos a modernidade em sua plenitude. Outro aconchego do hotel é o aquecimento central. Todas as torneiras tem água aquecida, o que garante total comodidade aos hóspedes tanto no verão quanto no inverno.

No entanto, isso não era o mais importante hoje. o cômodo que atrairia a atenção de cada habitante do país era a sala de convenções. Ampla, confortável, com assentos estofados, ambiente climatizado, ela lembrava quase um parlamento. A iluminação era boa, as cadeiras colocadas de tal forma que qualquer um, em qualquer lugar, teria uma visão ampla de quem estivesse falando. Bem no centro, havia um corredor entre as fileiras dos assentos que levava à mesa central. Era lá que estaria sentado o Corregedor Nacional de Justiça para dar seu pronunciamento. Era para ele que todas as atenções, provavelmente do mundo, estariam voltadas.

Faltavam cinco minutos para que as palavras ditas por ele fossem ouvidas por todos. Por que ele escolheu justamente este dia? Ninguém sabe, exceto ele. Mas todos desconfiam. O que ele vai dizer deve impedir a diplomação. Todos sabem que Sérgio Nunes estava investigando o maior escândalo envolvendo uma empresa estatal de Vera Cruz de todos os tempos. Tratava-se da Petrocruz, uma das maiores exploradoras petrolíferas do mundo. A investigação vinha sendo feita paulatinamente com o correr do ano, em segredo de justiça. Entretanto, neste dia, Sérgio disse que o que ele descobriu nos últimos dias tinha de ser levado ao público e que não poderia esperar. Tinha de ser hoje.

O corretor que ficava à frente da sala de conferências já estava completamente tomado. Centenas de jornalistas de todas emissoras de televisão de rádio e jornais escritos estavam rondando o local. Procuravam ficar em locais estratégicos para a hora em que a porta fosse aberta. Empurravam-se, acotovelavam-se, davam ordens aos fotógrafos, aos cinegrafistas e aos outros auxiliares para não perderem qualquer lance e para conseguir os melhores ângulos e o melhor Áudio. Nada poderia escapar do que a História era escrita. Do lado de fora, um office-boy do hotel ficava vigiando a porta. Ele recebeu ordens do Corregedor pessoalmente, não poderia deixar ninguém entrar, exceto as pessoas encarregadas de sua segurança.

Nos dias que antecediam o pronunciamento, o Corregedor estava muito preocupado com os detalhes referentes à segurança. não saia mais de sua casa sem guarda-costas. Fazia sempre questão de somente andar em seu carro blindado. Apesar de tudo, não andava armado. Dizia que isso poderia mais atrapalhar do que ajudar. Em caso de perigo, deixaria esse serviço para profissionais que zelariam por sua integridade. Como anunciou de antemão a hora em que faria seu discurso, tinha a esperança que nada fosse lhe acontecer até anunciar o que descobrira. Sabia que se alguém lhe fizesse algo, esta pessoa poderia estar dando um tiro no pé. Por outro lado, sabia que o seguro morreu velho, e era melhor não arriscar. No dia de sua aparição o Presidente lhe ofereceu proteção da Força de Segurança Nacional, mas Sérgio declinou. Disse que a segurança destinada a ele já estava de bom tamanho. Procurou, todavia, não dar publicidade ao caso. Todos sabiam que se a imprensa ficasse sabendo, criariam alguma notíia de imediato, na qual mencionariam que o Corregedor negou a segurança oferecida pelo Presidente por temer que esta, na verdade, quisesse atentar contra usa integridade, ao invés de defendê-la.

Uma hora antes de anunciar o que descobrira, Sérgio Nunes entrou na sala de conferências do hotel. Pediu para sua segurança se certificar de que ninguém havia ali dentro. Depois chamou um office-boy e ordenou que ele não abrisse a porta de entrada antes das 18h. Depois da vistoria, pediu a todos que saíssem, poi ele iria repassar todos os documentos de que tinha posse. Iria organizá-los de maneira que pudesse falar rapidamente, sem rodeios e com a maior clareza possível, sempre de posse de todo material que embasaria sua falta. Não queria e nem podia deixar qualquer dúvida. Era fundamental também que estivesse todas as provas de suas denúncias em mãos para não deixar qualquer espaço a divagações, teóricas da conspiração de repórteres e quaisquer suposições de que estava inventando fatos. Os documentos escritos em si, não tinham grande valor, pois tudo o que continha neles era informação pública que já era de conhecimento de todos. A única coisa que ele fez foi organizar tudo. Seu grande trunfo estava em um pen-drive, no qual se encontravam todas as provas do que iria falar. Era ele que continha informações que poderiam mudar tudo o que acontecera até então. Tinha de mostrar sua imparcialidade. Sabia que, em suas mãos, tinha algo valioso e muito importante para a história de Vera Cruz. Mas sabia também que o conteúdo daquele dispositivo era muito perigoso. Era uma verdadeira bomba prestes a explodir. Uma bomba que pesava algumas gramas e tinha menos de cinco centímetros. E tinha de tomar cuidado para não se ferir.

Do lado de fora, a multidão estava cada vez mais inquieta. A tensão era palpável. A ansiedade podia ser vista no ar. Se uma pessoa que não fizesse a menor ideia do que estava acontecendo passasse ali, ficaria tensa e ansiosa só por ver os outros. A contagem regressiva estava chegando ao fim. Quando, de repente, o empregado do hotel falou em tom demasiado calmo para a situação:

-Cavalheiros, são exatamente 18h. Como ficou previamente acertado com o Sr. Corregedor Nacional de Justiça, o Excelentíssimo Sérgio Nunes, abrirei a porta para que possam ouvir as suas palavras.

Neste momento, os homens encarregados da segurança entraram em ação. Deram palavras seguras e de ordem para que os jornalistas, os fotógrafos e os cinegrafistas entrassem vagarosamente, em ordem, em fileiras, depois que eles mesmos entrassem. Tudo foi seguido rigorosamente como os policiais pediram. O que não se seguiu como planejado foi a partir do momento em que as pessoas começaram a entrar.

O clima, em um primeiro momento, ficou entre a estupefação, a pasmaceira, a incredulidade e o horror. Ninguém entendia o que estava vendo. Para alguns, a ficha anda demoraria alguns instantes a cair. Em um segundo momento, o silêncio reinou de tal modo que só não foi possível ouvir a respiração da pessoas pelo fato de que todos devem ter parado de respirar. No entanto, podia se ouvir claramente os batimentos cardíacos e o engolir em seco das pessoas. O suor escorrendo da testa de todas elas. O empregado do hotel saiu correndo, acompanhado de ajudantes mais jovens dos jornalistas. De início, ninguém registrou com suas câmeras a cena que se apresentava.

O Corregedor estava sentado na cadeira centra da sala de convenções. Usava um terno risca de giz, uma camisa cinza-claro e uma gravata preta. Estava apoiado nas costas da cadeira com o que restava de sua cabeça pendendo para o lado. Na sua mão direita, uma arma. O sangue ainda fresco, indicando que não fazia muito que sua cabeça havia estourado.

Com o tempo, as pessoas começaram a entender o que viam. Os jornalista começaram a cercar o corpo inerte do Corregedor. Sobre a mesa, uma imensidão de papeis. E ao dado da cadeira, uma mídia removível de computador destruída. Foram chamados vários especialistas em informática, mas todos foram unânimes. Estava imprestável. É claro que haveria uma cópia de segurança daqueles arquivos, mas agora teriam de ser encontrados. E o mais grave: quem teria coragem de assumir que os tinha? A primeira pessoa a quem procurar só podia ser uma: Oscar, o estagiário de Sérgio Nunes, o qual não estava no local. Era aluno de Direito e estava assistindo uma palestra importante no mesmo dia. Fora liberado por seu chefe, que não fez questão nenhuma que ele estivesse presente durante sua apresentação. Mas ainda ninguém conseguia assimilar a cena. Era uma história irreal. No entanto, em uma coisa o Corregedor estava certo. A história estava sendo escrita. Não por ele. No entanto, ele era o principal personagem deste marco histórico de Vera Cruz nesse momento.

Os seguranças dissiparam as pessoas presentes. Agora, todos deviam lembrar que aquilo era uma cena onde havia uma pessoa morta. Que as evidências não poderiam ser modificadas. Que o local deveria ser lacrado para investigações. Mesmo que se tratasse de suicídio, todas as hipóteses deveriam ser investigadas, pois não faltavam pessoas ansiando por esse desfecho. Pessoas muito poderosas. Ninguém mais poderia circular pelo local. Foi quando, então, que um dos repórteres que estavam ali perguntou:

-Alguém sabe se havia monitoramento dentro da sala?

Fez-se um silêncio até que o office-boy. Respondeu:

-Dentro da sala de conferências não havia monitoramento, mas fora dela, sim.

E as filmagens com certeza seriam todas analisadas. É claro que se alguém tivesse entrado na sala, isso seria facilmente verificável. Sendo assim, qualquer pessoa que tenha ingressado na sala, antes dos jornalistas chegarem, será suspeita de no mínimo não ter evitado o suicídio do Corregedor. Essa hipótese era praticamente irrefutável, mas ninguém naquele momento queria acreditar nela.

Alexandre Borella Monteiro

Alexandre Borella Monteiro nasceu na cidade de Iraí (RS). É graduado em História (UFSM), possui especialização em Nazismo no Rio Grande do Sul nas décadas de 1930 e 40 (UFSM) e mestrado em Guerra do Paraguai (UPF). Atualmente, é servidor do Instituo Federal Farroupilha (Campus de Frederico Westphalen – RS). Com leitura de vários romancistas, de Dan Brown a Conan Doyle, estreia na literatura com o romance policial Crime de Estado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Copyright © 2024 . All Rights Reserved. | Chique Photography by Catch Themes