Aqui está, finalmente, o livro que reúne a poesia gauchesca de Aureliano de Figueiredo Pinto. Durante muitos anos se falou nesse estranho intelectual, doublé de médico e homem de letras, arredio às rodas literárias, a viver discretamente numa pequena cidade do interior, na prática de sua profissão – em que adquiriu notável renome – e no exercício desinteressado das coisas do espírito.
Muitos dos poemas que o público vai agora conhecer foram escritos há vários anos. O autor, porém, sempre se recusou a dar-lhes publicidade. Só ultimamente, a instância de amigos, é que Aureliano de Figueiredo Pinto consentiu em publicar alguns deles em jornais de Porto Alegre, mas, mesmo assim, sob o disfarce de pseudônimos diversos. Nele, o pudor de aparecer em letra de forma é quase invencível. Foi uma luta, por exemplo, convencê-lo de que seu nome deveria figurar no presente volume, em lugar do pseudônimo que já havia escolhido.
– “Sou médico – diz ele. – A poesia para mim é apenas uma fuga a que empresto uma significação puramente subjetiva. Se os amigos querem realmente subjetiva. Se os amigos querem realmente conhecer alguns de meus poemas, é só pedirem, que lhes remeto uma cópia…” Era esta a desculpa invariável que o autor apresentava a todos que lhe surgiam a publicação de seus poemas.
Mas a insistência daqueles que o conhecem e com ele conviveram, terminou por faze-lo aceitar a ideia de ver os seus poemas enfeixados em livro.
Sobre o médico Aureliano de Figueiredo Pinto temos o depoimento de um eminente professor da Universidade do Rio Grande do Sul: “Devia estar lecionando na Faculdade de Medicina, tais as suas excepcionais qualidade de inteligência e cultura. É uma figura que honra o Rio Grande!”.
Sobre o poeta, depõe, entre outros, Athos Damasceno Ferreira: “Aureliano de Figueiredo Pinto é um dos mais autênticos regionalistas do Rio Grande. Pena é que apareça tão tarde, quando o gênero se apresenta depreciado por tantas contra facções. Tivesse surgido na época própria – em que, aliás, já tinha ótimos poemas escondidos na gaveta – e hoje estaria ocupando um lugar de primeiro plano no regionalismo gaúcho. De qualquer modo, seu livro vai exigir uma revisão de valores para abrir o lugar que lhe cabe de direito na história da poesia regional sul-rio-grandense.”
Nada, nos seus versos, do apenas fácil e pitoresco que caracteriza uma boa parte da poesia gauchesca. A poesia de Aureliano de Figueiredo Pinto, profundamente ligada à terra, tem uma extraordinária densidade humana, assumindo sua temática, em muitos passos, o sentido de um canto geral que transcendente o mero regionalismo. Poucos livros refletem com mais autenticidade o homem e a paisagem do Rio Grande do que estes “Romances de Estância e Querência”.
Lê-los, é sentir a força telúrica do pago, é ouvir a voz do gaúcho andarengo perdida nas coxilhas do tempo, é ouvir palpitar o próprio coração da querência em versos nostálgicos, de grave e severa beleza, versos que Aureliano de Figueiredo Pinto compôs.
com chuva e vagar
sem pressas no romaneio.
E porque trabalhou assim, com vagar e sem pressa, seus poemas vão ficar porque são o testemunho de quem muito amou e compreendeu o Rio Grande nas suas manifestações mais simples e mais autênticas.