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Começa o julgamento – Abram Tertz

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Este é o livro que condenou seu autor, Abram Tertz (Andrei Sinyavsky) a 7 anos de prisão na Sibéria. Além de ter sido proibido na URSS.

Um breve telegrama, vindo de Moscou, outubro último, noticiava a prisão de dois escritores soviéticos. A acusação era sumária: crimes contra o Estado. Três meses mais tarde, já em janeiro deste ano, o Izvestia quebrava o silêncio oficial, revelando ao mundo que Andrei Sinyavsky e Yuli Daniel – os acusados – seriam julgados pela justiça soviética. O crime contra o Estado foi, então, explicado. Os dois escritores, usando pseudônimos, haviam publicado, fora da União Soviética, livros contra-revolucionários, atacando rudemente a nova Rússia e a classificando de uma nação de ladrões, bêbados e incapaz de criar cultura.

Desabaram então, sobre Sinyavsky e Daniel os conhecidos adjetivos coléricos da imprensa oficial – logo seguidos de um processo rápido e secreto e de uma injusta condenação. Mas que crime, na verdade, cometeram eles? Teriam divulgado algum segredo de Estado? Teriam entregue aos inimigos do Ocidente a fórmula de algum novo e poderoso armamento soviético? Forneceram documentos altamente sigilosos a espiões estrangeiros?

Tudo começou quando Andrei Sinyavsky e Yuli Daniel, revoltados contra o Estado Policial, o anti-semitismo e o terror cultural praticados na URSS – decidiram contrabandear para a Europa, as críticas que estavam impedidos de divulgar dentro da própria pátria. A senhora Helena Peltier foi a grande heroína. Filha de um antigo adido naval da Embaixada da França, em Moscou, conheceu Sinyavsky nos meios universitários soviéticos. Isso, por volta de 1946. Recentemente, Helena Peltier voltou à URSS, em viagem cultural. E ali restabeleceu os antigos laços de amizade com Sinyavsky. De volta a Paris, misturado entre algumas gravuras de ícones russos, Helena levava um manuscrito: Começa o Julgamento. O pseudônimo do autor era Abram Tertz.

O livro causou o maior impacto em todo o Ocidente. E não foi difícil à polícia soviética, em pouco mais de dois anos, identificar o verdadeiro autor da obra. Tão real era a descrição das injustiças que se praticavam, minuto a minuto, na União Soviética, que as autoridades logo constataram que o autor deveria, necessariamente, viver nesse país. Costumes, hábitos, detalhes da sensibilidade popular, crítica precisa aos aspectos mais sutis do regime soviético – tudo impunha aos olhos das autoridades essa constatação: o autor nascera e vivia na União Soviética. E como chegaram a Sinyavski? Em 1954, ele discutia, de público, na Universidade de Moscou, de onde era professor, os mais perigosos temas. Sua vasta erudição, inteligência penetrante e alta sensibilidade artística e literária eram as principais qualidades que o tornavam respeitado e admirado por seus discípulos. E estes, pouco a pouco, deixaram de ser apenas alunos. Já eram seguidores. Mais ainda: o perfeito conhecimento da cultura ocidental contrastava, terrivelmente, com as opiniões estreitas que, ontem como hoje, ainda se divulgam na União Soviética sobre o resto do mundo.

Desconhecido do grande público até 1956 – foi nesse ano que Sinyavsky, entusiasmado com a atmosfera libertadora da desestalinização, marcava, definitivamente, sua presença no cenário soviético, com seus valentes libelos contra os dogmatismos.

O sonho de Sinyavsky duraria pouco. Dez anos mais tarde – há dias – ele desceu as escadas do tribunal que o condenou sumariamente. E partiu para a Sibéria. Dia 10 de fevereiro de 1966, dois homens de quarenta e dois anos, sentaram-se no banco dos réus da Côrte de Moscou. O que houve lá dentro ninguém sabe. Apenas setenta pessoas, escolhidas a dedo, puderam assistir ao julgamento, e não foi permitida a presença de qualquer jornalista estrangeiro. A Agência Tass nem se deu ao trabalho de resumir os argumentos da defesa. Seu texto é de uma crueza impressionante: As testemunhas apresentadas pela acusação esmagaram os débeis argumentos da defesa.

A liberdade só morre quando ninguém quer mais morrer por ela. Sinyavsky e Daniel enfrentaram a opção e pagaram por isso. Estão mortos – a morte com vida no frio de uma prisão.

Livro traduzido por George Gurjan, através das edições Bloch, Rio de Janeiro

Andrei Sinyavsky, escritor de alto renome em seu país, crítico literário, professor e um dos grandes líderes da campanha contra o dogmatismo do mundo cultural na União Soviética, teve que enviar, secretamente, os originais desta obra para a Europa. O crime de divulgar críticas ao que se passa em seu país já teve seu castigo: 7 anos de prisão. Num dos mais sumários julgamentos da História sem direito de defesa plena, consumou-se a farsa que levaria à prisão um novo grande campeão da liberdade – o escritor Andrei Sinyavsky.

https://www.youtube.com/watch?v=LnlTReQuRJU

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