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A Realidade que não Escolhi – Geisa Nunes Pereira

Há toda uma história antes de minha vinda ao mundo. Não sei descrevê-la com detalhes, mas sei o básico para que possa entendê-la. Meu avô junto com minha avó teve quatro filhos: três meninos e uma menina. Ele sempre disse a eles que entre o cigarro e a bebida era para escolher o cigarro. Eles escolheram os dois. Apenas minha tia não escolheu nenhum desses caminhos. Dentre os três, meu pai era o único que não batia na família. Meus primos e tias sofriam com agressões. Minha avó os alertava: “Um dia elas deixarão vocês sozinhos se não pararem com a bebida”. Esse dia chegou.

Uma criança em meio ao alcoolismo, tabagismo e a depressão. Não sabia muito bem o efeito de tudo isso, o poder de suas pequenas palavras e choros, suas birras. Lembro-me das discussões dos meus pais. Muitas vezes eu chorava escondida, mas isso não impedia de, às vezes, eu fraquejar e gritar um “Parem de brigar!” ou mesmo pôr minha visão do caos que a nossa família se encontrava. Eu ia todos os dias encontrar meu pai no escritório que ele trabalhava, mas um dia, eu e minha mãe saímos em busca dele. Encontramos ele num bar, e nesse dia minha mãe pegou o copo dele e bebeu. Ele olhou para ela e perguntou o porquê daquilo, ela apenas respondeu “Tu não veio para beber? Eu também”. A cena foi bizarra, pois ele enchia o copo e ela bebia. Depois de um tempo eu e ela fomos embora, com ele indo alguns metros atrás. Eles quase sempre consentiam calados. As crianças sofrem pelas escolhas e exemplos dos pais. Sofrem sem querer e descontam nos outros o estresse que vem de casa.

Uma adolescente compreendendo que não se pode sofrer por algo que já tentou ajudar e que podia ser solucionado (a bebida não afeta só a pessoa que consome, ela tem efeito também nas pessoas que a rodeiam). Talvez, a imagem que mais pesa em meu peito seja a da primeira vez que meu pai pegou a chave do carro, em um sábado à tarde, e saiu. Ele voltou horas mais tarde e tentou colocar o carro no lugar de costume: a área. Nossa área era alta, tinha um muro, e além do muro, mais abaixo, um terreno. Ele entrou com o carro e estava indo em direção a esse muro. Minha única reação foi gritar. Perdi todo o “respeito pelos mais velhos” e só conseguia gritar “Desce desse carro! Desce desse carro, agora!”. Depois desse dia, eu comecei a esconder a chave do carro, porque essa era a saída para ele não perder a vida, nem matar um inocente.

Essa mesma adolescente que quase desiste de tudo, que quase se entrega a depressão. A adolescente que tem pais separados pelo alcoolismo, mas que não sente remorso por não ter o pai perto. Essa foi a saída que todas as esposas encontraram. A separação, mesmo tendo idas e voltas na parte de alguns tios, é dolorida no começo, quando se é pequena. Depois que a gente cresce, entendemos que a culpa da separação não é nossa, e que não devemos sentir remorso por isso.

Uma futura mulher que tem uma certeza: drogas, sejam elas lícitas ou não, e bebidas, só levam à destruição pessoal e familiar. Uma futura mulher que prefere passar mais tempo com os filhos do que no bar, que não quer dar desculpas, não quer ver filhos e família chorando por causa de um vício, que não quer ver as contas acumulando para suprir a necessidade do álcool, que não quer ver a família e os laços familiares sendo destruídos por um líquido. Uma mulher que não quer se arrepender e ir procurar ajuda depois que perdeu tudo. Uma mulher que não quer seguir o exemplo de um pai, um tio, um avô. Uma mulher que ainda amará seu pai apesar de tudo, mas que não se arrependerá por tê-lo deixado.

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