Na história política do Brasil, por diversas vezes, foram instaladas Assembleias Nacionais Constituintes de forma a que se estabelecesse a reorganização constitucional do país.
Este acontecimento máximo do Direito Constitucional é, entretanto, como lembrou recentemente Afonso Arinos de Mello Franco, apenas um dos processos políticos cujo termo é o estabelecimento de uma nova ordem legal. Nos sistemas de Constituições escritas, como o nosso, o poder constituinte pode apresentar duas formas. O poder constituinte originário que aparece “invariavelmente pela destruição do regime anterior“, correspondendo, por conseguinte, a um momento de ruptura do processo político nacional, e o poder constituinte derivado, fruto de reformas legislativas nascidas do entendimento “pacífico” das diversas tendências políticas do país, sem a ocorrência de um corte mais profundo e radical na vida política nacional. Na primeira destas vias, ainda segundo Afonso Arinos, o momento da ruptura política pode ocorrer “por meio de golpes de Estado que, nascidos dentro desse poder, o transformam (…)”.
A observação da experiência histórica de nosso país no campo da elaboração de Constituições informa-nos sobre um passado dos mais “ricos”, ao menos quantitativamente, se comparado ao de outros países da Europa ou da América. Até hoje, tivemos nada mais nada menos que seis Constituições, das quais três – as de 1824, 1937 e 1967 – resultaram de um processo político-jurídico de outorga do Poder Executivo, enquanto que as outras três – as 1891, 1934 e 1946 – foram fruto de promulgações advindas e votaram um nova Constituição. Portanto, todos os nossos exemplos de trabalhos constitucionais desenvolvidos pelo Poder Legislativo especialmente convocado para tal fim corresponderam a momentos cruciais de grande mobilização nacional, em que o regime anterior era questionado globalmente, partindo-se para a elaboração de um novo pacto num clima de abertura política.
O significado jurídico-político maior da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte é, então, a restauração da legitimidade do poder, fazendo-o passar de um poder de fato, de um regime de força, a um poder de direito, a um regime legal.
A Constituinte é um momento específico de transição da ordem política que deixa claro – pois este é o seu objetivo explícito – que o aparelho de Estado não se confunde com o político como um todo. O Estado não se institui a si mesmo diretamente; seu estatuto é debatido e construído por um poder legitimado pela sociedade civil, especialmente constituído para tal fim. Suas bases são o corpo político da nação; ele é o poder constituinte. (…)
Boris Fausto
Boris Fausto nasceu em 08 de dezembro de 1930 na cidade de São Paulo. Em 1953 graduou-se em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo. Em 1962 concluiu o curso de Direito na Universidade de São Paulo, em seguida passa a exercer o cargo de Consultor Jurídico da mesma até 1988. No ano de 1966 entra para a área de História graduando-se pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Em 1967 faz um estudo pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo intitulado “Os anos vinte na Velha República”. Em 1968 realiza sua pós-graduação em Metodologia da História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, termina seu doutorado em História na mesma instituição com a seguinte proposição: “A Revolução de 1930 – Historiografia e História”.
Em 1970 edita o livro “A Revolução de 1930 – Historiografia e História” pela Editora Brasiliense, até hoje considerado um clássico das Ciências Sociais brasileiras. O livro discorda das versões que saem em defesa de São Paulo no período da Revolução de 1930 e da Revolução Constitucionalista de 1932. Em 1971 participa do “Comitê de Assessoria para Ciência Sociais” da Ford Founation até o ano de 1980.
Entre 1973 e 1974 realiza um estudo sobre a imigração e a classe operária brasileira, encomendado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Em 1975 torna-se Livre Docente na área de Ciência Política na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP defendendo a proposição “Trabalho urbano e conflito social na República oligárquica”.
Em 1976 lança o livro “Trabalho Urbano e Conflito Social” pela Difusão Européia do Livro; em 1977 ganha uma Bolsa da John Simon Guggenheim Memorial Foudation USA e realiza uma pesquisa intitulada “Society and politics in Brazil”; em 1978 elabora um estudo sobre a criminalidade no Brasil financiado pela Social Science Research Council, USA. Em 1984 publica o livro “Crime e quotidiano – A criminalidade em São Paulo 1880-1924 pela Editora Brasiliense; em 1994 lança um novo livro intitulado “História do Brasil” editado pela EDUSP; em 1997 edita o livro “Negócios e ócios – Histórias da imigração” lançado pela Companhia das Letras.
Em 1999 é agraciado com o prêmio “Annual América’s Award”, concedido pelo The Cime, Law and Deviance Section of the American Sociological Association” (USA). Em 2001 edita “História Concisa do Brasil” pela Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP). Boris Fausto é hoje membro da Academia Brasileira de Ciências e desde 1998 é colunista semanal do jornal “Folha de São Paulo”.