O banqueiro anarquista, do conhecido poeta Fernando Pessoa, não é, decisamente, a classe de obra literária que um Ateneu Libertário deberia editar. O permanente sarcasmo de Pessoa e a implacável sofisteria do seu fictício banqueiro convertem-a numa obra canto menos desconcertante para o que será posivelmente o noso público leitor : respeitáveis anarquistas ou simpatizantes das ideias libertárias. Mesmo se o nosso público se tornar mais amplo do que habitualmente, tambem eles/elas sentir-se-ão tentados de perguntar pelos tortuosos caminhos mentais que nos tenhem levado para editar tão improvável maridagem ideológica. Não é que nos faltem motivos: podemos falar do nosso gosto literário por esta obrinha tão pouco conhecida entre nós, ou de que de calquer coisa, mesmo dos ataques ás nossas ideias, se podem tirar muitas conclusões proveitosas. Mesmo podemos dicir que O banqueiro anarquista é obra na que a paródia trabalha em tantos níveis que mesmo não saberiamos dicir se é (ou não é) um ataque ás ideias anarquistas, ás capitalistas, á sofísteria popular, ao cinismo politico ou a que demo. Nem é que tenha muita importáncia. Os nossos leitores e leitoras são ben crecidinhos e saberão decidir pola sua conta o que é realmente esta obrinha ou o que eles pensam que é. Com tudo, não está de mais precissar algum ponto que pode despistar aos leitores modernos. A forma da obra, que é um dialogo num café entre duas pessoas de ideias supostamente distintas, na que uma é o “argumentador” e a outra é a pessoa que busca os pontos “débeis”, que serão succesivamente rebatidos, repressenta uma paródia ou imitação (uma mais entre as moitas que agocha o texto) dos típicos panfletos de propaganda anarquista dos anos vinte. É tambem típico (e paródico) o estilo da argumentação, duma lógica aparentemente esmagante e irrebatível. No conjunto, recorda uma das obras máis conhecidas da propaganda da época, En el café (até o mesmo lugar!) de Enrique Malatesta.
Sobre o Autor
Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, em 13 de junho de 1888, foi um poeta, filósofo, dramatugo, ensaísta, tradutor, publicitário, astrólogo, inventor, empresário, correspondente comercial, crítico literário e comentarista político português.
Fernando Pessoa é o mais universal poeta português. Por ter sido educado na África do Sul, numa escola católica irlandesa, chegou a ter maior familiaridade com o idioma inglês do que com o português ao escrever os seus primeiros poemas nesse idioma. O crítico literário Harold Bloom considerou Pessoa como “Whitman renascido”, e o incluiu no seu cânone entre os 26 melhores escritores da civilização ocidental, não apenas da literatura portuguesa mas também da inglesa.
Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa. Fernando Pessoa traduziu várias obras em inglês (Shakespeare e Edgar Allan Poe) para o português, e obras portuguesas (nomeadamente de António Botto e Almada Negreiros) para o inglês.
Enquanto poeta, escreveu sobre diversas personalidades – heterónimos, como Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro –, sendo estes últimos objeto da maior parte dos estudos sobre a sua vida e obra. Robert Hass, poeta americano, diz: “outros modernistas como Yeats, Pound, Elliot inventaram máscaras pelas quais falavam ocasionalmente… Pessoa inventava poetas inteiros.”
A 13 de Junho de 1888, pelas 15h20, nasceu Fernando Pessoa. O parto ocorreu no quarto andar direito do n.º 4 do Largo de São Carlos, em frente à ópera de Lisboa (Teatro de São Carlos), freguesia dos Mártires. De famílias da pequena aristocracia, pelos lados paterno e materno, o pai, Joaquim de Seabra Pessoa (38), natural de Lisboa, era funcionário público do Ministério da Justiça e crítico musical do «Diário de Notícias». A mãe, D. Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa (26), era natural dos Açores (mais propriamente, da Ilha Terceira). Viviam com eles a avó Dionísia, doente mental, e duas criadas velhas, Joana e Emília.
O poeta, pelo lado paterno, tem as suas raízes familiares no concelho de Arouca, nas freguesias do denominado «Fundo do Concelho» de Arouca.
Fernando António foi baptizado em 21 de Julho na Basílica dos Mártires, ao Chiado, tendo por padrinhos a Tia Anica (D. Ana Luísa Pinheiro Nogueira, tia materna) e o General Chaby. A escolha do nome homenageia Santo António: a família reclamava uma ligação genealógica com Fernando de Bulhões, nome de baptismo de Santo António, tradicionalmente festejado em Lisboa a 13 de Junho, dia em que Fernando Pessoa nasceu.
A sua infância e adolescência foram marcadas por factos que o influenciariam posteriormente. Às cinco horas da manhã de 13 de Julho de 1893, o pai morreu, com 43 anos, vítima de tuberculose. A morte foi anunciada no Diário de Notícias do dia. Fernando tinha apenas cinco anos. O irmão Jorge viria a falecer no ano seguinte, sem completar um ano, a 2 de Janeiro de 1894. A mãe vê-se obrigada a leiloar parte da mobília e muda-se para uma casa mais modesta, o terceiro andar do n.º 104 da Rua de São Marçal. Foi também neste período que surgiu o primeiro heterónimo de Fernando Pessoa, Chevalier de Pas, facto relatado pelo próprio a Adolfo Casais Monteiro, numa carta de 1935, em que fala extensamente sobre a origem dos heterónimos. Ainda no mesmo ano, escreve o primeiro poema, um verso curto com a infantil epígrafe de À Minha Querida Mamã.
Em Outubro de 1894, o comandante João Miguel Rosa (1857-1919) apaixona-se por Maria Madalena ao vê-la passar dentro de um “americano”, numa rua de Lisboa, comentando para um amigo: «Vês aquela loira? Se não quiser, não me caso com ela.» Em breve lhe fazia a corte e se tornavam noivos. Destacado o noivo como cônsul português em Durban, África do Sul, casam-se por procuração a 30 de Dezembro de 1895, na Igreja de São Mamede, em Lisboa.