Descrevendo as péssimas condições de vida dos trabalhadores moradores das estalagens ou dos cortiços cariocas do final do século XIX, O Cortiço é um romance naturalista e foi escrito por Aluísio Azevedo e publicado em 1890. O cotidiano miserável de uma habitação coletiva em fins do século passado, apresentado com uma objetividade implacável, é o centro da trama de O cortiço. Obra máxima de Aluísio Azevedo, este romance representa a maturidade de um escritor preocupado em registrar e analisar à luz da Ciência as mazelas da sociedade brasileira.
O romance segue claramente duas linhas mestras em seu enredo, cada uma delas girando em torno de um imigrante português. De um lado temos João Romão, o dono do cortiço, do outro Jerônimo, trabalhador braçal que se emprega como gerente da pedreira que pertence ao primeiro.
João Romão enriquece às custas de sua obsessão pelo trabalho de comerciante, mas também por intermédio de meios ilícitos, como os roubos que pratica em sua venda e a exploração da amante Bertoleza, a quem engana com uma falsa carta de alforria. Ele se torna proprietário de um conjunto de cômodos de aluguel e da pedreira que ficava ao fundo do terreno. Aumenta sua renda e passa a se dedicar a negócios mais vultosos, como aplicações financeiras. Aos poucos, refina-se e deixa para trás a amante.
Miranda, comerciante de tecidos e também português, muda-se para o sobrado que fica ao lado do cortiço. No início disputa espaço com o vizinho, mas, aos poucos, os dois percebem interesses comuns. Miranda tem acesso à alta sociedade, posição que começa a ser almejada por João Romão, este, por sua vez, tem fortuna, cobiçada pelo comerciante de tecidos que vive às custas do dinheiro da esposa. Logo, uma aliança se estabelece entre eles. Para consolidá-la, planeja-se o casamento entre João Romão e a filha de Miranda, Zulmira. João se livra de Bertoleza, devolvendo-a aos seus antigos donos.
Jerônimo assume a condição de gerente da pedreira de João Romão e passa a viver no cortiço com a esposa Piedade. Sua honestidade, força e nobreza de caráter logo chamam a atenção de todos. No entanto, seduzido pela envolvente Rita Baiana, assassina o namorado desta, Firmo. Jerônimo abandona a esposa e vai viver com Rita. Entra então em um acelerado processo de decadência física e moral, assim como sua esposa, que termina alcoólatra.
A decadência atinge também outros moradores do cortiço. É o caso de Pombinha, moça culta que aguardava a primeira menstruação para se casar. Seduzida pela prostituta Léonie, abandona o marido e vai viver com a amante, prostituindo-se também.
Aluísio Azevedo
Como um jornalista, Aluísio Azevedo ia aos locais onde pretendia ambientar seus romances, conversava com as pessoas que inspirariam suas personagens, misturava-se a elas. Procurava assim reproduzir o mais fielmente possível a realidade que retratava. Além disso, desenhista habilidoso, às vezes, desenhava suas personagens em papel cartão, recortava-as e as colocava em ação, num teatro para si mesmo, de modo a visualizar as cenas que iria narrar.
Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo foi um crítico impiedoso da sociedade brasileira e de suas instituições. Abandonou as tendências românticas em que se formara, para tornar-se o criador do naturalismo no Brasil, influenciado por Eça de Queirós e Émile Zola. Seus temas prediletos, focados na realidade cotidiana, foram o anticlericalismo, a luta contra o preconceito de cor, o adultério, os vícios e a vida do povo humilde.
Nascido em São Luís, Aluísio viajou para o Rio de Janeiro aos 17 anos a chamado do irmão, o teatrólogo Artur Azevedo. Começou a estudar na Academia Imperial de Belas-Artes e logo passou a colaborar, com caricaturas e poesias, em jornais e revistas.
A partir da publicação de seu primeiro romance, Uma lágrima de mulher (1880), em estilo romântico e extremamente sentimental, viveu durante 15 anos do que ganhava como escritor. Por isso, sua obra pode ser dividida em duas partes: a primeira, romântica, escrita para agradar o público e vender bem, de modo a garantir-lhe a sobrevivência. A segunda, naturalista, para expressar sua visão de mundo e as mazelas do Brasil. Foi esta que lhe deu destaque na história da literatura brasileira.
É o caso de O mulato, publicado em 1881, no auge da campanha abolicionista, que provocou um grande escândalo. O autor tentava analisar a posição do mestiço na sociedade maranhense de seu tempo e atacou o preconceito racial. Até 1895 escreveu 19 trabalhos, entre romances e peças teatrais. Continuou colaborando em jornais e revistas, com caricaturas, contos, críticas e novelas. Ele próprio tentou lançar em São Luís um periódico anticlerical intitulado O Pensador, no mesmo ano de publicação de O mulato. A reação hostil da sociedade provinciana e do clero fez com que voltasse definitivamente para o Rio de Janeiro.
Ao ingressar por concurso na carreira diplomática, em 1895, encerrou a sua história literária. A serviço do Brasil, esteve na Espanha, Japão, Uruguai, Inglaterra, Itália, Paraguai e Argentina, onde morreu.
Além de O mulato, os romances que o consagraram perante a crítica e o público culto foram: Casa de pensão (1884), inspirado num caso da crônica policial do Rio, que descreve a vida nas pensões chamadas familiares, onde se hospedavam jovens que vinham do interior para estudar na capital; e O cortiço (1890), considerado sua obra-prima, onde narra, em linguagem vigorosa, a vida miserável dos moradores de duas habitações coletivas.
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